Planejamento de Trajetórias nos Programas de Empreendedorismo
A angústia frente aos dilemas da sobrevivência econômica assim como o mal-estar diante das dificuldades em ser reconhecido como sujeito produtivo são aspectos das condições de trabalho contemporâneas, que apontam para a necessidade de se refletir não apenas sobre as suas razões e consequências, mas também para a necessidade de propostas de atuação. Atuação essa que tenha como referência um aporte teórico crítico onde se problematize os efeitos das transformações contemporâneas, que superficialmente se apresentam como exigências de flexibilização e adaptação a uma nova cultura de obtenção e manutenção de atividades produtivas. E que, além disso, devem paradoxalmente se cruzar, com as orientações de sucesso e progresso profissional.

Trabalhar o planejamento de trajetórias empreendedoras dentro uma perspectiva de atuação e transformação social - como uma disciplina nos programas de Ensino de Empreendedorismo - embora leve em conta a ampliação dos processos de exclusão e de vulnerabilidade como geradores de novas dinâmicas que obrigam a todos a repensar o conceito de emprego, carreira, vinculações e até mesmo a ideia de futuro como não deve reafirmar a sua lógica.  Dentro dessa perspectiva, a disciplina deve fornecer ferramentas para o questionamento e geração de alternativas aos efeitos dessa lógica sobre os sujeitos, e não apenas a sua aderência e pronta adequação como passaporte para um futuro qualquer.

A disciplina opera com a hipótese de que a realização de um projeto possa ser desenvolvida como uma oportunidade à ideia de um futuro possível, desde que entendido como uma ação no presente. Ação essa que se distancia de um exaustivo roteiro, mas que permita a adoção de um plano para a realização de metas, com a noção do tempo como algo que se faz em etapas que se encadeiam e que especialmente fazem sentido.

Pensar a inserção e o desenvolvimento produtivo é ir além de uma panacéia que se dá como respostas à reconfiguração do mundo do trabalho em função das economias globalizadas. Vai além da criação de negócios rentáveis, das ambições financeiras e privadas dos sujeitos, das cartilhas que ensinam os “dez passos para o sucesso” e, até, dos valores tradicionalmente associados à ideia de sucesso nas sociedades modernas. A inserção produtiva empreendedora deve se ligar à capacidade de desencadear processos de desenvolvimento não apenas econômico, mas, sobretudo, social e humano. É ter a ousadia de olhar o entorno sem um elenco de visões pré-concebidas com as quais passamos a naturalizar todos os acontecimentos, neutralizando com isso as estranhezas, como o que corriqueiramente acontece no momento em que se “torna adulto”. É ter os olhos curiosos e o espírito ávido por transformações, e aprender com elas aceitando que o conhecimento se dá no próprio movimento. É ser capaz de promover mudanças exteriores, mas, principalmente, saber que elas começam internamente. É lidar com as incertezas e acreditar em seus próprios ideais e visões de futuro compartilhadas buscando-as como condição de implementação dos objetivos.

A existência de uma causa, de uma motivação, é fator essencial para que qualquer indivíduo chegue a algum lugar, sobretudo no que diz respeito à reinvenção de caminhos, à experimentação de alternativas ainda não testadas, à busca de realizações que expressem antes os desejos pessoais mais profundos que as expectativas externas, muitas vezes com seus sonhos padronizados e seus conceitos engessados daquilo que é sucesso ou fracasso, do que é ser bem ou malsucedido. Com uma causa, o indivíduo encontra forças para resistir às incertezas e às adversidades, entendendo, como ninguém que há pedras no meio de qualquer caminho. Além disso, são as causas que angariam parcerias, conquistam apoios e criam visões compartilhadas, capazes de gerar processos coletivos de força e atuação.

_________________
Sandra Korman é Professora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio e do Centro de Empreendedorismo (CEMP). Email: sandrakorman@uol.com.br